A importância de frequentar o jardim de infância

Desde que nascemos, ouvimos os nossos pais a insistir que temos que estudar se queremos vir a ser alguém na vida. Eu pelo menos ouvi muito. Hoje em dia, as exigências vão para além do estudar. Mal uma criança nasce, os pais (eu e o leitor, neste caso) já estão a fazer planos para a faculdade. Sim, claro, é importante. Nós sabemos. Mas, ao mesmo tempo, o número de jovens que têm optado por caminhos profissionais que não envolvem a frequência universitária, ou que ingressam mas acabam por mudar duas e três vezes de curso, é crescente. A tal da insatisfação crónica comum da nossa época… Bem, eu não sei se o meu filho irá ou não para a faculdade. É uma incógnita se irá ser arquiteto, cineasta ou jogador de futebol. Mas de uma coisa tenho eu a certeza: ter feito um bom jardim de infância faz toda a diferença. 

Os primeiros sete anos de vida são decisivos para o desenvolvimento da criança. Nestes anos as pessoas sofrem diversas transformações próprias do crescimento, entre elas, as físicas, em que o nosso corpo sofre diversas alterações e mudamos a dentição para definitiva. A nível emocional formamos, nesta idade, um sentimento básico em relação ao mundo, ou seja, aquele sentimento ou característica que nos vai  acompanhar para sempre. Pode ser o medo, a forte personalidade, o carisma, ou a insegurança. Claro que com os anos podemos trabalhar isso, mas envolverá muita terapia e dedicação. Se neste período as nossas crianças tiverem um desenvolvimento sadio, com espaço para brincar, se forem acolhidas nas suas necessidades básicas e emocionais, então, terão uma forte e estruturada base para qualquer que seja a sua escolha profissional posteriormente.

Por acaso, na minha rua havia um jardim de infância Waldorf quando meu filho era pequeno (hoje em dia há dois na mesma rua, que milagre!).

Não vou defender a pedagogia Waldorf como o único caminho para que uma criança passe bem por essa fase: ainda são poucas as escolas e custam um preço que não está ao alcance de todos. Mas, ao dar uma grande importância aos primeiros anos de desenvolvimento, a pedagogia Waldorf traz reflexões importantes para quem está à procura de um Colégio para inscrever o seu filho e, mais do que isso, para mostrar que o desenvolvimento nesta fase da vida é essencial para alicerçar a criança. É esse o tema que irei desenvolver de seguida. 

O primeiro passo em direção ao mundo lá fora 

Segundo a metodologia Waldorf, a criança deverá entrar no jardim de infancia a partir dos 3 anos. Nem todas as famílias têm estrutura para esperar esse tempo,  e é a vida. Mas, também, há muitas mães acham que os filhos “pedem” para ir para a escola. Podem até pedir. Mas eu gosto da explicação: é que só nessa idade é que a criança estaria preparada para interagir com o mundo que vai além do pai, da mãe, dos irmãos e da avó. Mesmo que a criança adore ir para a rua, brincar com outras crianças, lembre-se que a mãe, a avó ou, em muitos casos, a babá querida, estão por perto.

Aos 3 anos é que aparece, pela primeira vez, aquele impulso que se faz mais forte aos 9 anos, de encarnação do EU, segundo a antroposofia, de uma certa individualidade. Não por acaso, é nessa idade que as crianças começam a dizer…eu! Antes, referem-se a si mesmas na terceira pessoa (“a Gabi quer comer”, “O Pedo quer brincar”).

Aos 3 anos o sistema nervoso está mais maduro e a criança consegue usar o “eu”, essa individualidade, como instrumento de comunicação, de crescimento. A criança, então, percebe que ela e o mundo são coisas diferentes. A mãe já não é uma extensão dos seus desejos e necessidades. E isso é lindo de se ver. Eu adoro os três anos de idade. Mas fiz aqui uma lista com algumas reflexões que consideraria importante se fosse escolher uma escola para o meu filho hoje, caso ele ainda estivesse na primeira infância.

O que explica porque coloquei mais energia nisto do que colocarei na altura em que tivermos que escolher a faculdade. 

Desenvolvimento da espiritualidade 

Não se trata apenas religião. As escolas que cultivam a espiritualidade trazem riqueza para a vida infantil. As festas do ano, a chegada da primavera, os pequenos rituais, como acender uma velinha na sala, ao começar o dia, uma canção de gratidão por acordar e estar disposto, a árvore de Natal enfeitada, uma lanterna para se carregar na festa de São João. São essas coisas que despertam em nós a conexão com o que é divino no mundo e com a nossa própria alma. 

É aos 3 anos que nasce na criança uma admiração pelo mundo lá fora. Admiração que, se for bem cuidada, se manifesta como veneração frente aos milagres quotidianos. As flores têm sóis dentro delas, alguém pintou o céu de laranja e roxo, cai neve porque São Pedro está a sacudir o seu edredom de penas lá em cima. Nunca devemos estragar essa veneração enfiando conceitos científicos muito cedo nas cabeças dos miúdos. O melhor é deixar as fantasias fluírem e até cultivá-las. E esse é um cuidado que eu teria em atenção, caso estivesse a escolher a escola para o meu filho, mesmo que fosse por poucas horas por dia. 

Fase em que se desenvolvem sentimentos para a vida 

Este é o conceito que rege os primeiros sete anos da educação Waldorf (e de outras pedagogias).

Qualquer um pode trabalhar isto em casa! É extremamente importante que a criança desenvolva a sua confiança no mundo, a sua capacidade de amar, de sentir-se segura, de se adequar ao ambiente que começa perceber e diferenciar. Qualquer tipo de ensino, tanto em casa como na escola, deve ser conduzido de forma a mostrar à criança o lado positivo das coisas e o que o mundo tem de bom. Ah, claro, algumas pessoas vão já dizer que não querem que o filho cresça numa redoma. Calma, há  tempo para tudo. Quando a criança acaba de nascer, ninguém lhe põe um biberon ao lado para tomar sozinha, pois não? É por aí. Cada coisa a seu tempo. Até os 7 anos, as crianças não “aguentam” ser expostas à violência da TV ou dos jogos de computador. Não precisam de saber que a água do planeta está a acabar. Não precisam de saber que todos os dias há massacres a acontecer em vários cantos do mundo. Toda esta informação assusta qualquer alminha que,  ainda, está a tentar perceber este mundo. O mundo também é bom, meu filho. A avó gosta muito de ti. A professora gosta muito de ti. O pai gosta muito de ti, e vai sempre proteger-te. E tu mereces ser protegido daquilo que não é assim tão bom. É um cuidado, um carinho, um gesto de proteção que podemos dar aos nossos filhos, independentemente da escola e da metodologia que escolhermos. 

Formação dos órgãos e criatividade 

Durante os primeiros sete anos, a maioria dos órgãos (ou a semente que os originará), vai formar-se. E, como sabemos, se plantarmos uma semente de macieira não vai nascer uma figueira. Por vezes, aquilo que não se vê, está lá na mesma, tal como os dentes, que se formam até os 7 ou 8 anos.

Gritos, falta de ritmo, sustos. Tudo influencia essa formação. O mesmo acontece com a criatividade. Se a criança tiver espaço (e não digo estímulos de brinquedos electrónicos ou excesso de estímulos intelectuais) e acolhimento, se tiver exemplos e inspiração, sentirá segurança para desenvolver os dons que lhe são inatos. Mais tarde, essa segurança será a base para um trabalho criativo e satisfatório.

Segunda a antroposofia, a educação é o que cura; aquilo que traz saúde. Acho que um bom jardim de infância garante boa parte dessa saúde, física e emocional, que levaremos para a vida. Então, a criança vai estar a desenvolver bases para o seu futuro, nomeadamente para a fase em que tiver de escolher o curso que irá exercer o resto da sua vida.



Por Fabi Corrêa,
Adapatado por Up To Kids®

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